''A formação em Portugal está a ir por caminhos um pouco perigosos''

A afirmação é de Henrique Costa, treinador do escalão de sub-16 do Grupo Desportivo de Chaves, que, no final de março, foi alvo de intimidação e ameaças que tiveram como principal protagonista o pai de um dos seus jogadores. Em declarações ao Jornal de Chaves, alertou para este tipo de situações que, segundo o próprio, são cada vez mais frequentes e prejudicam, de forma direta, os atletas.

 

Henrique Costa está a cumprir a primeira época como treinador de futebol fora da sua “zona de conforto”. Ao leme do escalão de sub-16 do Grupo Desportivo de Chaves, diz ter sido bem recebido no clube e na cidade, onde espera continuar na próxima temporada, apesar do mais recente episódio de intimidação de que foi alvo.

Em declarações ao Jornal de Chaves, o técnico partiu desta situação particular para alertar para a recente escalada de insultos e violência nas camadas jovens do futebol.

“A formação em Portugal está a ir por caminhos um pouco perigosos, nomeadamente no que toca aos encarregados de educação, que, por vezes, pensam que estão a proteger os filhos, com certas atitudes, em que ameaçam, insultam. Parece que está tudo normalizado, que é normal irmos a um campo de futebol e vermos um pai ou uma mãe a insultar o treinador porque o filho não jogou ou porque jogou pouco tempo”, frisou.

Neste contexto, quis dar nota de que situações como a que viveu “não podem ser só vinculadas ao Grupo Desportivo de Chaves porque acontecem por Portugal inteiro e, se calhar, no mundo, até”.

No que ao seu escalão diz respeito, afirmou que nunca se recusou a dar as justificações necessárias aos atletas quando procuradas, bem como o clube, que está disponível para receber os pais e encarregados de educação.

“O pai e a mãe resolvem problemas agora mas, mais tarde, com 19 ou 20 anos, num mundo competitivo como é o do futebol, se calhar não vão ter esse suporte. Se o atleta for habituado a que os pais lhe digam o caminho para ele fazer sem cair, não é a melhor forma de crescer e evoluir, na minha opinião”, vincou.

Por conseguinte, Henrique Costa reitera que se está “a perder a paciência no futebol”, além do foco no essencial, “a formação do atleta”. “Além da capacidade técnica, tática, capacidade mental, importa preparar para lidar com os problemas e deixá-los resolver esses problemas”, esclareceu.

Nesta resolução, deve-se optar “por uma via diplomática e nunca através do insulto e das pressões”, o que não se tem verificado no escalão de sub-16.

“Infelizmente, já tivemos algumas situações não muito agradáveis nas quais sempre tive uma conversa frontal com os atletas, a deixar bem claro que, posso ser a pessoa mais injusta do mundo, mas vai jogar quem eu achar que deve jogar e, se não concordarem, de segunda a sexta-feira, estou sempre no clube a partir das 18h. Nunca neguei uma conversa a ninguém”, garantiu.

Por todos estes motivos, Henrique Costa disse não poder aceitar que, ao deslocar-se para um treino, lhe seja pedido para não comparecer por causa de um episódio que podia tornar-se “complicado”.

O técnico referia-se à intimidação de que foi alvo por parte do pai de um dos seus jogadores, acompanhado por um grupo de pessoas, nas imediações do campo de treinos, na última semana de março, episódio que motivou o cancelamento de todos os treinos da formação de 27 de março. O presidente do clube, Bruno Carvalho, reagiu ao sucedido através de uma nota publicada nas redes sociais, repudiando o que apelidou de “limitação das liberdades individuais”.

“Até podia não acontecer nada, mas só o facto de haver desconfiança no ar, além de que estamos a falar de um escalão de sub-16 em que, se calhar, os miúdos já vão para a confusão ao ver o treinador numa situação de aperto… Seria complicado. Chegarmos a este ponto na formação, é triste e não é caso único”, reiterou.

Henrique Costa lamentou, ainda, que “uma situação desta gravidade” tenha sido usada para atacar o GD Chaves, afirmando que “o clube tudo fez e tudo está a fazer” para que tal não volte a acontecer “com mais ninguém”.

“Infelizmente, as consequências (destes atos) não são para os pais, são para os atletas e não percebem que estão a prejudicar os filhos, acham que é solução e que se não estão bem aqui, vão para outro lado, onde podem fazer o mesmo”, afiançou.

Segundo publicação feita por Bruno Carvalho nas redes sociais, o clube reuniu “com o pai do jovem em causa” na mesma data, “o qual tomou conhecimento da medida sancionatória a aplicar”, a qual, “infelizmente, penaliza o jogador devido à atitude despropositada e reincidente do pai”.

Para Henrique Costa, este episódio e as repercussões do mesmo, tornaram “visível” aquilo que se tem passado nos escalões de formação em Portugal.

“Muitos treinadores passam por isto de uma forma mais discreta, através de mensagens, ou de esperas depois de um treino, sem ninguém ver. Está-se a perder o essencial da formação. Dou sempre este exemplo: os pais não querem que os miúdos sejam o Ronaldo porque, assim sendo, eram os primeiros a chegar ao treino, dormiam cedo, abdicavam de muita coisa. Os pais não querem que os filhos passem por esses sacrifícios”, concluiu.

 

Mariana Ribeiro

Fotografia: © DR


08/04/2024

Desporto