Ministério Público pede a anulação do estudo de impacto ambiental da mina do Barroso

O projeto obteve em maio de 2023 “luz verde” da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) mas a 17 de janeiro deste ano, o Ministério Público defendeu nulidade da Declaração de Impacto Ambiental da mina do Barroso em Boticas.

O Ministério Público (MP) considera que a Declaração de Impacto Ambiental (DIA) da mina de lítio do Barroso, no concelho de Boticas "padece do vício de violação da lei" e "deve ser anulada", segundo um documento a que o Canal Alto Tâmega teve acesso.

O MP foi notificado a pronunciar-se na sequência de uma ação judicial interposta pela Junta de Freguesia de Covas do Barroso, em Boticas, para anular a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) da mina do Barroso, atribuída ao projeto da empresa Savannah Resources, enviando um requerimento para o Tribunal Administrativo de Fiscal (TAF) de Mirandela onde corre o processo.

No documento, o MP conclui "que a DIA padece de vício de violação de lei e deve ser anulada".

O projeto de exploração de lítio obteve em maio de 2023 um parecer favorável da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) mas com um conjunto de condicionantes.

A mina do Barroso, cuja área de concessão prevista é de 593 hectares, tem uma duração estimada de 17 anos, dois para instalação, 12 para produção e três para recuperação paisagística de toda a área.

O projeto localiza-se em área classificada como Património Agrícola Mundial. A região do Barroso, que abrange os concelhos de Boticas e Montalegre, mereceu em abril de 2018 a certificação do Sistema Agro-Silvo-Pastoril do Barroso como SIPAM, atribuída pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Segundo o Ministério Público, a ampliação da atividade mineira no território, representa um risco para o SIPAM do Barroso podendo levar à sua desclassificação e à violação dos compromissos internacionais que o Estado português assumiu com a ONU.

“Prevendo e aceitando a hipótese de desintegração do SIPAM, o ato administrativo corporizado na DIA erra manifestamente, nesta dimensão de violação do compromisso internacional do Estado, na apreciação dos factos e do Direito, verificando-se vício de violação de lei, que implica anulabilidade”, lê-se no documento.

O MP refere ainda que a Declaração de Impacto Ambiental viola legislação em vigor que não permite a revelação e aproveitamento de recursos minerais em território SIPAM, bem como a Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia e o Plano Estratégico da PAC 2023-2027 (PEPAC) para Portugal, colidindo com os objetivos dos financiamentos comunitários do programa SIPAM e investimentos de apoios financeiros do baldio do Barroso.

O projeto da mina do Barroso foi apresentado como uma ampliação, mas o MP entende que se trata de "um conjunto de novos subprojetos, que não foram analisados pela DIA, e cujo efeito, intensidade e complexidade vão muito para além da área a ampliar".

“Na mesma linha, ocorre, quanto a nós, um erro quando se baliza a avaliação de impactes à nova área de concessão [aumentada], ou seja, 593ha. Em nosso ver, essa não é a área de afetação imediata. Quanto a nós, a área de afetação ambiental imediata é de 851ha. Ademais, o efeito, intensidade e complexidade de afetação nessa área em nada se compara com o suposto objeto a ampliar. E o impacte ambiental projeta-se muito para além dos 851ha”.

O Ministério Público entende que a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) para a ampliação apresenta uma situação de referência para a atividade mineira existente a partir de um contrato prévio (2016) que não foi sujeito a avaliação ambiental, pelo que a DIA recente deveria confrontar a atividade viabilizada com a única DIA precedente (2005) com a que agora se pretende realizar.

É ainda referido que a DIA não faz uma correta avaliação da gestão de resíduos de extração mineira, não define o risco de vulnerabilidade a acidentes e catástrofes das seis barragens previstas nem a contaminação do meio hídrico (rio Covas e águas subterrâneas), erra na avaliação do fator socioeconómico conjugado com o fator geologia, erro por fracionamento da avaliação do impacte: a nova estrada e violação do direito de participação.

E, segundo o MP, não pondera o real impacto deste projeto cumulativamente com o da mina do Romano, prevista para Montalegre, devido à proximidade e dimensão dos dois projetos.

Relativamente ao lobo-ibérico, o MP aponta que as medidas de minimização previstas "carecem de demonstração de efetividade".

Outro aspeto referido no documento é o de o promotor admitir que a China possa ser o destino do minério, pelo que não resolveria a problemática da dependência externa do fornecimento de lítio da União Europeia.

Ao Canal Alto Tâmega Emanuel Proença, CEO da Savannah Resources disse ontem não ter conhecimento do pedido de anulação do Ministério Público do estudo de impacto ambiental da mina do Barroso e que a acontecer não crê que possa ser “um retrocesso”. “Seria uma questão a analisar devidamente com os elementos em mesa”.

Em comunicado conjunto, a Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), a Junta de Freguesia de Covas do Barroso e o Conselho Diretivo da Comunidade Local dos Baldios de Covas do Barroso defendem que o Ministério Público “dá razão à população” e “à tese que a associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), a Junta de Freguesia e a Comunidade Local dos Baldios de Covas do Barroso têm vindo a defender”, frisando que “a DIA resultou mais de uma vontade política que de um processo de avaliação transparente, plural e realizado dentro dos parâmetros legais estabelecidos”.

A comunidade de Covas do Barroso defende que “continuará a lutar pelo futuro da região” e apela às gentes do Barroso para que “não aceitem ser sacrificadas em nome de uma transição que apenas serve umas poucas indústrias europeias e os interesses do poder político que delas se beneficia. O futuro do Barroso passa por defender e valorizar o Património Agrícola Mundial, não pelo seu fim”, lê-se ainda no comunicado enviado à redação.


08/02/2024 Jornalista: Sara Esteves Repórter de imagem: DR

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